Hugh Laurie se despede de Dr. House


O médico genial embora grosseirão, amado e misantropo, conquistou legiões de fãs em meio mundo com uma bem dosada receita de talento profissional, intolerância às regras, dor crônica, ceticismo, cara-de-pau e olhos azuis.

O restante do elenco resumia-se a saltar e a se defender quando o intratável sujeito brandia a bengala. O protagonista Hugh Laurie, honra seja feita, tem um histórico de personagens bizarros, desde seus tempos na BBC com Blackadder, série de humor como só os ingleses são capazes de fazer. E o ator ainda foi pai do Stuart Little.David Shore, criador de House, conseguiu um feito e tanto ao pôr na boca de sua criatura alguns laivos de filosofia que ajudaram a difundir questões metafísicas, em um diálogo em surdina com grandes pensadores. O nietzschiano Gregory House discutiu bastante a respeito da maldade do ser humano (Locke), da insuportável companhia do outro (Sartre), da causa primeira das coisas e da existência de Deus (Aristóteles). Não deixou de ser - involuntariamente - engraçado vê-lo no último episódio debatendo a "Aposta de Pascal" sob risco de virar churrasquinho.As arengas deram algum resultado. Tanto que livros e mais livros sobre medicina, filosofia e, claro, os bastidores da série foram vendidos mundo afora. Aqui no Brasil saíram O Guia Oficial de House e A Filosofia em House, ambos pela BestSeller. Hoje em muitas cidades do Brasil há cursos livres de filosofia baseados em filmes, séries e até novelas. São uma forma de estimular o pensamento a não aceitar as coisas como óbvias e cotidianas - como, por exemplo, ver televisão.House, o turrão, recusava-se a ver as doenças como banais e deflagrava suas investigações filosóficas só perturbadas pelos comerciais. Claro que, no final das contas, os seriados seguem modelos e tornam-se dogmáticos. No último bloco de quase todos os capítulos, era certo que House teria uma epifania e resolveria a doença. A série termina sem solucionar a maioria das questões que o doutor levantou. É bem possível que não exista uma resposta para tudo e que o negócio seja apenas seguir em frente. Como todo bom motoqueiro, House sabe que, quem não acelera, acaba no chão.